Num dia solarengo de dezembro, enquanto passeava descontraidamente pelo Cais 39, em S. Francisco, e comia o meu cachorro quente, observava, deliciada, o movimento do cais, as gaivotas que por ali andavam e os leões marinhos deitados, ao sol, a rugir (se é que se pode chamar de rugido o som que emitem de forma tão pouco assustadora).
Em dado momento, dei por uma gaivota a voar muito próximo da minha cabeça. Confesso que não prestei a devida atenção, parecia natural andarem gaivotas por ali (afinal estava à beira mar), embora me parecesse que aquela gaivota estava a voar a muito baixa altitude. De súbito, ao levar o cachorro quente à boca para mais uma saborosa dentada, este foi puxado pela dita gaivota, sem cerimónia nenhuma e para minha grande surpresa.
Segurei com firmeza a outra extremidade do meu almoço, e fiquei tão divertida que dei uma forte gargalhada. E agarrei com mais força o que restava do meu almoço, desta vez já meio escondido pelo casaco que trazia vestido. Fiquei mais atenta e resolvi abrigar-me para terminar a minha refeição mais descansada.
Um par de anos mais tarde, ao realizar uma tarefa de campo (de exterior, também em S. Francisco) no âmbito de um programa executivo, vi uma outra gaivota que parecia estar a observar as pessoas que passeavam e almoçavam descontraidamente pelo Cais 1. Nesse momento, recordei-me da minha anterior aventura no Cais 39 e contei a história aos colegas que estavam comigo. Por coincidência (ou talvez não), naquele preciso momento, testemunhámos um “ataque” desta outra gaivota ao hambúrguer de uma pessoa que se encontrava sentada na nossa frente, a comer a sua sanduiche tranquilamente. Foi hilariante e surpreendeu quase toda a gente que estava à volta e testemunhou o "furto". Da minha parte, desta vez reparei no detalhe, na postura alerta da ave, focada no seu objetivo, à espera de uma oportunidade para comer à custa do almoço de alguém mais distraído, menos atento, o que de facto acabou por acontecer.
Moral da história: por mais natural que nos pareçam as situações ou os comportamentos, devemos estar sempre atentos aos detalhes, por mais ínfimos que sejam. Quando vir uma gaivota a fazer voos rasantes à sua volta, fique atento.
Ao longo da vida encontrei, nalgumas ocasiões, "gaivotas" que me surpreenderam porque não soube ler ou dar atenção aos sinais. Mas comecei a observar o que me rodeia sob outra perspetiva, com outros olhos. Comecei a focar-me mais nos aspetos positivos das situações e nas aprendizagens que posso colher com os aspetos negativos. A olhar em frente e para cima, em vez de olhar para as sombras no chão. Quando olho para trás, é apenas para analisar a mochila que trago às costas e perceber de que forma possa torná-la mais leve ou o que ainda posso aprender com o que ela carrega.
Estou mais atenta aos detalhes e ao contexto. Passei a confiar mais naquilo que trato como "a minha intuição", aquele sexto sentido difícil de explicar (provavelmente apenas a recordar alguma coisa indefinida) relativamente a alguma coisa que parece não encaixar totalmente no (atual) contexto. Ou que, pelo contrário, surge como a peça que faltava para tornar compreensível o que parecia não fazer qualquer sentido. Passei a concentrar o meu esforço e energia no que posso efetivamente mudar e a tirar partido das aprendizagens que vou fazendo.
Deixei de tentar controlar a tempestade, para aprender a olhar para o céu e a ler os sinais. Quando a tempestade surgir, em vez de ficar à espera que passe, prefiro aprender a dançar à chuva.